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Esta é uma história de Natal, diferente mas igual a muitas outras histórias. E como todas as histórias, invariavelmente esta também começa com um 'era uma vez...'
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Era uma vez, um homem e uma mulher, ambos já de muita idade, que viviam numa pequena e modesta casinha isolada nas terras de Trás-os-Montes e Alto Douro. E lá viviam, desde que se casaram há cinquenta e quatro anos.
Os filhos entretanto cresceram, constituíram família e foram viver as suas vidas para a cidade, tendo ficado o casal de idosos a viver sozinhos. As visitas eram escassas e este ano tinha sido o primeiro em que os velhotes não tinham recebido uma unica vez os seus dois filhos. Embora não o dissessem, sentiam-se abandonados... mas, o Natal estava a chegar e como era tradição, as familias reuniam-se em sua casa e passavam o período Natalício em conjunto.
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Por estes dias, a velha senhora cozinhava durante vários dias. Os seus olhos estavam mais vivos e os seus gestos lestos e cheios de alegria. A seu tempo as guloseimas e doces de Natal íam ficando prontas. As filhoses, o pão-de-ló, a aletria, doces feitos a partir de receitas caseiras que a memória ainda conservava e que ninguém mais conhecia mas que os netinhos adoravam. Ah... os queridos netinhos! Havia tanto tempo que não os via. Estas férias de Verão e ao contrário do que era normal, não as vieram passar à aldeia. Não viram os avós. Mas isso agora não importava, porque agora sim, eles viriam. Eles, os filhos, e o resto da familia. Finalmente aquela casa iria encher-se de vida e alegria, com os gritinhos das crianças enquanto correm pelo alpendre em gargalhadas histéricas e a lambuzar-se com os deliciosos docinhos feitas pela avozinha. As suas vozes acalmavam-se quando iam de encontro a ela e lhe segredavam ao ouvido:
-"Sabes vovó, gosto muito dos teus bolinhos... mas gosto ainda muito mais de ti!"
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A velha, com o seu choro fácil, tentava sem conseguir disfarçar as lágrimas que surgiam. O velho marido, abstraído de tudo olhava ao longe. O seu ar duro, suavizava-se perante aquele cenário de felicidade. A alegria daquelas crianças agarradas à avó. Sim, ele também era um homem feliz.
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O filho, mais novo vivia em Lisboa e a filha, em Coimbra. Os velhos não diziam nada mas sentiam a falta dos seus. Estavam a perceber que a pouco e pouco estes se estavam a afastar, mas não ousavam dizer uma palavra, pois não queriam perturbar as vidas atarefadas dos seus filhos.
Nesta azáfama dos preparativos para o Natal, a velha estava preparar-se para tirar uns docinhos deliciosos da fornalha caseira que ardia incessantemente quando o telefona toca. O velho atende, deviam ser os filhos pra avisar quando chegariam. Ainda viriam provavelmente a tempo do almoço da véspera de Natal. O velho ouviu e não disse uma unica palavra enquanto escutava o seu filho... este explicava-lhe que não iria ser possível ir lá acima. Aconteceu um imprevisto profissional e não seria possível passar o Natal lá em casa. Ao mesmo tempo explicou-lhe que a sua irmã ao saber disto, escusou-se também de ir, dado que era só ela, e portanto não valeria a pena ir, afinal era uma viagem cansativa e complicada para os miudos.
O velho baixou o auscultador preto do seu também velhissimo telefone. O olhar triste percorreu todo o seu rosto e foi pousar no olhar da sua velha esposa. Imediatamente ela percebeu. Não foi preciso dizer uma unica palavra naquele momento. E não o disseram...
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Sem desconfiarem, os filhos tinham destroçado os velhos corações dos seus pais e desta vez tinha sido a machadada final num ano muito difícil para os velhotes.
Esquecidos e amargurados, ali ficaram. Ele ainda de pé, encostado à mesa, enquanto a velhota tinha já largado os doces e estava agora sentada numa cadeirinha de baloiço enquanto se cobria com uma coberta antiga que lhe protegia as pernas cansadas do frio, ao mesmo tempo que tentava esconder uma lágrima que lhe caía subitamente e rolava pela face.
E assim, naquela noite adormeceram agarradinhos um ao outro, sentindo o calor da salamandra e tentando em vão aquecer os seus corações tristes.
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Lá fora o frio cai na pequena aldeia, está escuro e o vento sopra ferozmente... O velho levanta-se a meio da noite e vai fechar uma janela que bate furiosamente. O vento forte assobiava tenebrosamente na noite escura. Volta pra cama e observa com um olhar sério e circunspecto a sua esposa que jazia com um olhar triste e vazio de esperança. Deita-se lentamente e... apaga a luz da gambiarra. E aquele dia assim findou...
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De manhã, o dia acordou radioso, e apesar do frio que se fazia sentir, o velho levantou-se cedo como era seu hábito e foi apanhar lenha pra alimentar a sua salamandra... A esposa, pelo contrário, ficou deitada. Não tinha vontade nem forças pra se levantar naquele dia. O velho entrou em casa, olhou-a prostrada naquela cama e revoltado, pousou os ramos apanhados no bosque e dirigiu-se resoluto para o velho telefone.
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Desta vez é que era. Estava decidido e ia fazer aquilo que há muito deveria ter feito. Tinha pensado muito sobre o assunto a noite passada. Esta vida triste tinha de acabar e ele estava resolvido a fazê-lo, dissessem o que dissessem, desta vez não iria ceder a pressões...
Pega no telefone e liga para o filho em Lisboa:
-"Filho... desculpa, eu não queria estar a incomodar-te, mas... eu tenho que te dar uma notícia. A tua mãe e eu... bem, nós... nós vamos separar-nos; 54 anos de sofrimento e infelicidade são pra mim mais que suficientes, e pra mim, chega! Estou farto...
-"Mas, pai... O que é que estás pr'aí a dizer? - grita o filho com o seu velho pai.
O velho homem respondeu:
-"Nós não nos conseguimos suportar mais. Estamos fartos, e também já estamos fartos de discutir este assunto. Por isso telefona à tua irmã em Coimbra e dá-lhe tu a notícia." - e desligou o telefone.
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A velhota fita com um ar de espanto o seu marido pensando que talvez desta vez ele tenha perdido o juízo por completo, enquanto este olhava pra cima e esboçava um sorriso de satisfação. Uma confiança subita invadiu-lhe a alma como que uma esperança renovada.
Histérico, o filho telefona à sua irmã de Coimbra, que ao saber da novidade, explode ao telefone.
-"...o tanas é que eles se vão separar," - grita ela - "Eu vou já tratar disto."
Ela telefona logo de seguida pra casa dos pais. O telefone toca e quase de imediato o velho pai atende. Ele não tinha saído de perto como se adivinhasse que ele íria tocar daí a um instante:
A filha literalmente aos berros com o velhote, diz:
-"Vocês NÃO VÃO se divorciar. Tantos anos de casados, aturaram-se durante tanto tempo um ao outro, não é agora que vocês vão fazer uma coisa dessas. Não faz sentido! Não façam NADA enquanto eu não chegar aí. Eu vou ligar novamente para o meu irmão, e nós os dois vamos estar aí amanhã, sem falta. Até lá, não façam nada, OUVIRAM?" - e desligou o telefone.
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O velho homem desliga também o telefone em seguida, e vira-se para a sua mulher deitada na cama, e diz:
-"Pronto, está tudo bem, minha querida. Eles vêm cá ter amanhã pra passar o dia de Natal connosco!"
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A velha rolou na cama olhou profundamente nos olhos do seu velho marido, e percebendo a astúciosa artimanha que este tinha preparado aos filhos, abraçou-o. Uma outra lágrima voltou a escorrer na sua face, só que desta vez, a lágrima era de alegria. Iam passar o Natal com quem mais gostavam. Iam rever os seus filhos, os seus netinhos adoráveis e iam passar um inesperado mas, Feliz Natal... em família.
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